Edgard Leuenroth


Edgard Leuenroth, por Edgar Rodrigues*

Brasileiro, tipógrafo, jornalista, anarquista.

Filho de médico alemão e mãe brasileira, Edgard Leuenroth (1881-1968) viveu 87 anos, dos quais 70, dedicados ao movimento operário e anarquista.

Tinha começado seu aprendizado tipográfico, seu contato com os trabalhadores e publicado um modesto jornalzinho, quando se viu frente-a-frente com a luta de classes resultante da desigualdade social, que se acentuava na cidade de São Paulo, quando ali chegou em 1901, o anarquista português Neno Vasco, (Dr. Gregório Nazianzeno Queiroz de Vasconcelos).

Edgard Leuenroth é envolvido, tocado, contagiado pelo movimento libertário, começa a ler os clássicos do anarquismo, conhece Neno Vasco, liga-se a ele aperfeiçoando – com sua ajuda – os seus conhecimentos sociológicos e de português.

Em 1903, na condição de operário tipógrafo, funda o “Centro Tipográfico de São Paulo”, e no ano seguinte colabora na transformação deste na “União dos Trabalhadores Gráficos”.

Desde então jamais se ausentou das agremiações dos gráficos e dos jornalistas, tendo participado ativamente de todos os Congressos jornalísticos: 1918, no Rio de Janeiro; 1926, Washington; 1933, em São Paulo; 1942, em São Paulo, entre outros.

Nos meios operários e anarquistas não faltou aos Congressos de nível nacional e estadual (São Paulo). Esteve sempre presente na luta pela libertação dos grandes mártires do capitalismo burguês e de Estado: Ferrer, no “Caso Idalina”¹, Durruti, Nicols, Mateo, Nestor Makhno, Sacco e Vanzetti, Baron, entre outros e bateu-se contra as expulsões de anarquistas estrangeiros do Brasil. Participou de muitas greves, destacando-se a de 1917, quando foi preso² e julgado no Tribunal do Júri de São Paulo como autor intelectual de uma greve, que desembocou num dos maiores movimentos insurrecionais-operários até hoje ocorridos na paulicéia, no Brasil, com assaltos a casas comerciais, barricadas nas ruas, luta com as forças armadas do Governo estadual e morte de operários grevistas.

No julgamento foi defendido pelos advogados Evaristo de Morais (pai) e Marrey Junior, defesa publicada em folheto no Rio de Janeiro, em 1918.

Edgard Leuenroth foi um dos militantes mais produtivos na imprensa operária e anarquista, assinando sua colaboração com os pseudônimos Frederico Brito, Routh, Palmeiro Leal, Len, Leão Vermelho, Siffleur³, o seu próprio nome e destacou-se também como orador fluente, agitador de rua! Não rejeitava lugar nem perdia oportunidade para semear ideias!

Edgard, tomou parte na fundação, na redação e colaborou nos seguintes jornais e revistas: “O Boi” (1897-99), “Folha do Brás”, “O Alfa” (1901) de Rio Claro e “O Trabalhador Gráfico” (1904).

De 1905-1911 começou a colaborar no semanário anarquista “A Terra Livre”, fundado e dirigido por Neno Vasco; em 1906 foi redator do jornal anarcossindicalista “Luta Proletária”, órgão da Federação Operária de São Paulo. Este periódico teve grande importância na greve da Companhia Paulista de Estradas de Ferro de 1906⁴ com reflexos em todo o país. Fundou a “Folha do Povo” periódica e depois diária, da qual foi diretor-gerente. A partir de 1909-1935 dirigiu “A Lanterna”, jornal anticlerical e libertário fundado por Dr. Benjamin Mota em 1901, em duas fases que lhe granjeou muitos amigos e alguns inimigos terríveis sendo preso quando desmascarou a Igreja no “Caso Idalina”⁵. Nesse mesmo ano de 1912 fundou “A Guerra Social”, periódico de São Paulo, foi seu redator principal e no ano de 1915, colaborou ativamente no diário “O Combate”.

Nos anos de 1916-1917, foi redator-secretário da revista “Eclética” de São Paulo.

Em 1917, fundou o jornal anarquista “A Plebe”, semanário, passando em 1919 a diário. “A Plebe” publicou-se até 1954(?) com várias interrupções, tendo sido seus diretores-gerentes também Rodolfo Felipe, Pedro Augusto Mota, Florentino de Carvalho e outros anarquistas. Colaborou em “Spartacus” (1918) do Rio de Janeiro, no diário anarquista “Voz do Povo” (1920), Rido de Janeiro; no jornal e anarquista “Ação Direta” do Rio de Janeiro, foi seu último diretor e no “Libertário”, São Paulo, nos últimos dias de vida.

Edgard Leuenroth falava e escrevia com elegância, e preocupou-se com a memória⁶ social brasileira reunindo todas as publicações que chegavam dos mais diversos países onde o anarquismo tinha expressão e imprensa não só as que lhe eram enviadas, mas também, as que vinham destinadas a outros companheiros de lutas.

Destacamos da sua correspondência as cartas e bilhetes que seguem pela ordem de suas datas:

a) José Veríssimo
b) Neno Vasco
c) Neno Vasco
d) Neno Vasco
e) José Rodrigues Reboredo

a) “Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1908
Sr. Edgard Leuenroth
Só ontem recebi no Jornal do Commercio, onde raramente vou, a sua estimada carta de 30 de agosto, pedindo-me, em nome da redação da Folha do Povo, a minha desvalida opinião sobre a guerra e questões conexas.
Apesar do meu parco gosto de publicidade fora dos estreitos limites da minha mofina atividade literária, eu lhe teria logo respondido, e da melhor vontade, tanta é a simpatia que tenho pela generosa propaganda contra esse hediondo flagelo.
Agora é seguramente tarde para o fazer, limito-me pois, a dizer-lhe, que de todo o coração acompanho qualquer movimento de opinião contra a guerra e o seu principal fator e auxiliar o não menos detestável militarismo, vale qualquer esforço.
Com distinta consideração,
Cordialmente seu
José Veríssimo
11, Marques de Leão
Engenho Novo.”

b) “Lisboa, 9-IV-1920
Caros camaradas,
Um amigo passou-me o nº 54 (23 de fev.) do vosso jornal, que me dirige boas e generosas palavras, a propósito da catástrofe que me arruinou moral e fisicamente. Agradeço de todo o coração essas boas palavras.
Aproveito a ocasião para vos desejas saúde e coragem e fazer ardentes votos pela prosperidade da vossa obra.
Teria muito prazer em saber notícias dos velhos amigos que grangeei aí, em anos que foram dos mais felizes da minha vida de homem e de militante.
Sinto não poder ser mais extenso, em vista do meu cansaço, devido à minha enfermidade, recente, mas de marcha rápida: a mesma que me levou a alma da minha alma.
Um grande abraço do vosso Neno Vasco.”

c) “16-2-1914
Edgard
Peço-te tires já, o folhetim “Os Comuneiros”, aquele ridículo “feita por Neno Vasco”. Então uma tradução é coisa que mereça a pena essa indicação? Ainda se fosse de outro gênero! Ou para garantir fidelidade, em caso de assunto de responsabilidade! Mas um romance de aventuras!…”

d)”Edgard
Tem cuidado com os livros de Adolfo Lima. Por causa das dificuldades d’A Lanterna, eu os tenha mandado para Escola Moderna. É absolutamente preciso que não suceda como nos do Babo, com quem já não ouso falar. É uma vergonha, Adolfo Lima é pobre; e se vendes os livros e depois não os podes pagar, (coisa natural) eu fico em péssima situação, tanto mais que a Adolfo Lima devo favores e espero dever mais – em questões de lições, etc..
Neno”

e)”Porto, 30 de junho de 1951
Meu caro Edgard
Há quase duas décadas de anos que não nos escrevemos, mas nem por isso deixei de ter notícias tuas de vez em quando, pois sempre que isso me era possível, perguntava aos amigos pelo tua pessoa.
Sei que és o mesmo bravo de sempre, que continuas na atividade, dedicado aos grandes ideais de emancipação humana.
Pois bem. Eu aproveito a ida deste bom amigo para aí, para te enviar os meus calorosos cumprimentos, com os desejos de que, continues be, de saúde para poder continuar a ser útil às nossas ideias.
Eu por cá vou continuando a lutar contra a tragédia da vida e, não posso esconder-te, que tenho sofrido bastante para poder ser coerente com as minhas afirmações. É muito difícil viver honestamente neste mar de miséria em que está vivendo o nosso país. A miséria econômica é muito grande, mas a miséria moral é muito maior ainda.
Sinto-me velho e cansado e não provável, portanto, que possa assistir aos acontecimentos que se desenham em toda a parte, no sentido de dar novos rumos ao mundo. Talvez pelo fato de me sentir já gasto, eu esteja um pouco pessimista, mas a verdade é, que vejo os horizontes muito confusos. Vive-se uma verdadeira época de materialismo, quase que se sentindo isolados os velhos idealistas, aqueles que desejam de fato a emancipação da humanidade, num sentido altruísta e de bem estar geral para todos os homens. Desejaria dizer-te muita e muito a respeito do que vai pelo mundo, mas tenho de resumir as minhas considerações, porque escrevo-te às pressas no intervalo que tenho do almoço. O portador te dará notícias da nossa gente e te porá ao corrente do nosso pensamento.
Termino, portanto, enviando-te um grande abraço e enviando-te as minhas mais efusivas saudações.
Cumprimentos de todos os amigos e para o Roberto das Neves também, se estiver por aí, teu amigo J. R. Reboredo.”

Notas:

* RODRIGUES, Edgar. Os Companheiros 2. Rio de Janeiro: VJR, 1995. p. 62-66.
1 Veja-se folheto com igual título.
2 Edgard Leuenroth, esteve preso várias vezes, sempre pelo mesmo motivo: participar da questão social, ser militante libertário.
3 Deixou publicados: “O que é o maximismo ou bolchevismo” em colaboração (1919), e a antologia “Anarquismo – roteiro de libertação social”, editora Mundo Livre, Rio de Janeiro, 1963. Deixou inéditos alguns livros, a maioria, antologias.
4 Nesta greve morreram vários operários. Os anarcossindicalistas publicaram um folheto para explicar este movimento.
5 A menina Idalina Stamato, interna do “Orfanato Cristóvão Colombo” sob a direção do padre Faustino Consoni, desapareceu subitamente dentro do internato. A notícia chegou à imprensa paulista e os jornais libertários “La Battaglia” dirigido por Oresti Ristori e “A Lanterna”, por Edgard Leuenroth, denunciaram o crime.
O padre Consoni, autor de vários estupros de alunos (meninos e meninas) denunciado pelas violências sexuais nos jornais anarquistas, “negou-se em nome de Deus” a explicar como e porque morreu Idalina, onde foi enterrado seu corpo. No entanto chegou apresentar à imprensa outra menina como sendo Idalina. Foi desmascarado por isso. Existe um folheto sobre essa trama clerical contendo as denúncias dos anarquistas contra a Igreja.
6 Ao registrar o falecimento de Edgard Leuenroth em nossa obra (1945-1980) “O Ressurgir Libertário” dedicamos algumas páginas ao militante anarquista, ao seu “arquivo” e à venda indevida do mesmo pelo seu filho Germinal Leuenroth após a sua morte, desrespeitando o seu testamento manuscrito.