Amor e Libertação em Maria Lacerda de Moura

 

 

 

 

 

 

INFORMAÇÕES:

Título: Amor e Libertação em Maria Lacerda de Moura
Autor: Patrícia Lessa
Editora: Entremares
Idioma: Português
Encadernação: Brochura
Dimensão: 14 x 21 cm
Edição:
Ano de Lançamento: Outubro de 2020
Número de páginas: 208
Preço: R$ 30,00

ÍNDICE:

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PREFÁCIO:

Escrevo estas linhas no mês de maio. Quando a 40tena já era 50tena e a 60tena estava chegando. Ainda não víamos luz no fim do túnel.

Digo isto porque justamente este é um livro que dá forças. Durante este período de incertezas, um dia, conversando com Patrícia, ela me contou que o seu objetivo era escrever para que a história não se repetisse. E eu penso que ver o que fizeram, como pensavam e atuavam outras mulheres, ver a Patrícia Lessa hoje, escreVENDO sobre Maria Lacerda de Moura, dá muitas forças. E precisamos delas. É necessário conhecer o passado para que ele não se repita. Estamos vivendo numa conjuntura dramática, com um presidente genocida. O que é pior, o presidente genocida ou as pessoas que votaram nele sabendo que é um fiel admirador de um torturador?

Como a gente lava a alma e os dias? Eu não estou aqui para propor fórmulas, mas minha dica — hoje e sempre — é lermos mulheres. Mulheres que houvéssemos desejado que se multiplicassem. Porque lendo estas mulheres estaremos multiplicando-as, lendo estas mulheres não as deixamos morrer, lendo estas mulheres não somos cúmplices do memoricídio[1].

Queremos que suas vozes e lutas se conheçam. É por isso que hoje estamos falando de um mulherão, uma personalidade incrível como foi a lutadora mineira, em palavras de Patrícia: “fez eco ao anarquismo individualista pacifista. Ela era contra a guerra, tornou-se vegetariana, antivivisseccionista, era a favor da vida e, daquilo que ela nomeou, a fraternidade universal”. Também era “feminista”[2] e educadora.

Se pesquisarmos na história, ou melhor, na HERSTória, as mulheres dificilmente lutam/lutaram por uma causa só. E Maria Lacerda, como Emma Goldman, Louise Michel ou Flora Tristán, era a favor do amor livre, a favor do divórcio, era anticapitalista, além das lutas recém expostas. Uma das razões pelas quais ela não queria ter o rótulo de feminista, era porque estas lutadoras, na época, eram sufragistas, e como anarkista já via que não seria o direito das mulheres ao voto que libertaria metade da população. Menos ainda as operárias.

Muitas lutadoras também, assim como a própria Patrícia Lessa, eram educadoras. Maria Lacerda de Moura atuou na Liga Contra o Analfabetismo, pois ela cedo percebeu “… que somente ler e escrever não mudariam nada na vida das pessoas caso o método de ensino fosse uma reprodução dos valores estabelecidos”. Por isso, a necessidade de entender a mensagem e não ser analfabetxs funcionais, ou seja, saber reconhecer as letras, mas não conseguir decifrar as entrelinhas, tão importantes. O presidente venezuelano Hugo Chavez andava sempre com a Constituição venezuelana no bolso. Tinha impresso muitas num pequeno tamanho e ia com o povo discutir os seus direitos. Não era só o voto que ele queria, o sonho dele era que as pessoas compreendessem os seus direitos. Muitas pessoas, hoje, especialmente mulheres, falam do aumento do machismo. Se tivessem lido de maneira mais nítida as palavras e ações de Bolsonaro, a história hoje seria outra. Numa reportagem ele debochava das mulheres, contava que tinha tido quatro filhos e, no final, deu uma fraquejada, foi quando nasceu sua única filha mulher. No meio do calor de uma discussão política, o militar gritou na cara de Maria do Rosário, então Deputada federal e Ministra dos Direitos Humanos, que ele só não a estuprava porque ela não o merecia. Dando a entender que ele decide qual mulher merece ou não ser estuprada!! Quantos horrores encerra este grito? Quantas injustiças antecipa esta frase? Como se não bastasse a violência que esse ser já mostrava, o dia do impeachment contra a Presidenta Dilma Rousseff, ele votou em homenagem ao torturador (da Dilma) Brilhante Ustra. A lutadora Flora Tristán, no seu livro A causa operária, já dizia: “deixa passar uma injustiça e estarás criando milhares”.

Daí a importância de entender o que lemos, a mensagem que há por detrás de uma letra junto a outra e outras. Aí a gravidade quando as mulheres somos apagadas da história oficial e não há referências sobre nós. Não ver é como caminhar no escuro e nos faz sentir muito sozinhas na luta. Por isso, ler e escrever sobre mulheres é como acender não uma, mas muitas luzes no caminho.

escreVER para lembrAR

escrita é salvAÇÃO

salvação e recordAção

ler as nossas ancestrais

deixar pegadas

ver e ler e perceber as mulheres que nos antecederam, porque é junto a elas que caminhamos.

“[…] Um dia, quando voltar a paz dos espíritos, quando se fizer o balanço de nossa época, seu nome será lembrado. A justiça é uma deusa velha, tão velha que anda devagar arrastando os pés pesados de chumbo” (UMA ESCRITORA). Brindo porque esse dia chegou. Já tinha chegado com pesquisadoras como Margareth Rago, como Miriam Moreira Leite e, agora, com o novo livro da Patrícia Lessa.

Para finalizar, vou trazer umas palavras da própria Maria Lacerda de Moura, citadas no livro por Patrícia, pois são muito válidas nesta hora: “Não temos o direito de semear a dor e o desanimo. E a minha pena dorme quando minh’alma melancólica se debruça sobre angustias das contingencias da vida”. Estamos caminhando, companheiras, estamos andando, construindo dia a dia nosso caminho e essa é a força que nos damos. Assim como uma letra junto a outra e outra e outras formam palavras que se leem em frases e ideias, as mulheres juntas, lutando, somos força, fogo, futuro. Para que nunca mais um milico-ditador seja eleito em nenhum país do mundo. Digo mundo porque nós, anarkistas, não acreditamos em fronteiras, mas na humanidade.

mariam pessah

Maio de 2020.

ARTivista feminista – escritora e poeta

Notas:

[1] Termo que cunhou a professora Constância Lima Duarte e aparece no seu livro #Nísia Floresta presente, uma brasileira ilustre, 2019, Natal/RN.

[2] Utilizo o adjetivo feminista entre aspas, pois, hoje, lemos Maria Lacerda de Moura como uma atuante feminista, mas, na época, e aqui aparece, ela era contra o termo assim como Emma Goldman, pois o feminismo era associado às mulheres brancas, classe média… É por isso que hoje falamos em feminismoS.