Louise Michel

 

 

 

 

 

 

INFORMAÇÕES:

Título: Louise Michel: pertenço à Revolução Social
Autor: Samantha Lodi
Editora: Entremares
Idioma: Português
Encadernação: Brochura
Dimensão: 14 x 21 cm
Edição:
Ano de Lançamento: Maio de 2022
Número de páginas: 160
Preço: R$ 30,00

ÍNDICE:

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PREFÁCIO:

É em busca de inspiração para o presente que Samantha Lodi, autora da presente edição, vai buscar, na França do século XIX, a revolucionária Louise Michel. Aí descobre seu mundo, desde o nascimento em 1830, num contexto ano de importantes lutas sociais e políticas; percebe seus interesses, seu gosto pelos gatos e o amor pelas crianças; destaca sua vasta produção literária, incluindo poesias e peças teatrais, de que pouco se fala, assim como seu engajamento incansável nas lutas que se travam diariamente na Comuna de Paris, em 1871.

Historiadora e doutora em História da Educação pela UNICAMP, com estágio na Université de Rouen, na França e com alguns livros publicados, a exemplo de Nadezhda Krupskaia: uma estrela vermelha, a autora pesquisa atentamente uma ampla documentação constituída não apenas pelos inúmeros livros escritos sobre Louise Michel, mas os de sua própria autoria, além das dedicadas cartas enviadas ao “mestre” e amigo Victor Hugo, que tanto admira, e de fotografias, entre outros tipos de fonte documental.

Gostaria de destacar que, não por acaso, 1830 é um ano marcante, para uma outra fonte de inspiração, Michel Foucault. Profundamente preocupado com o “diagnóstico do presente”,  este filósofo aí vê um momento inaugural, aquele para o qual regressamos e de onde devemos recomeçar, quando, na atualidade, tudo voou pelos ares, quando já não sabemos que caminhos seguir e quando não encontramos “na terra um único ponto de onde poderia jorrar a luz de uma esperança”, como afirma na entrevista intitulada “La Torture, c´est la raison”, em 1977.[1]

Já nesse mesmo final de década de 1970, Foucault lamenta as enormes dificuldades a serem enfrentadas, quando o neoliberalismo se afirma internacionalmente, com a ascensão de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, impondo uma nova racionalidade e quando as esquerdas, para não dizer toda a sociedade, sofrem enormes derrotas e reveses, inclusive em conquistas recentes.

Contudo, vale lembrar, que nesse momento em que se reforçam as privatizações,  os ataques aos direitos, às políticas públicas e às demandas dos movimentos sociais, nesse momento em que se assiste à expansão da racionalidade neoliberal pautada pela lógica do mercado, ameaçando capturar as subjetividades pelo ideal do “empresário/a de si mesmo”, voltado para investir freneticamente em seu “capital humano”, que deve ser cada vez mais produtivo e rentável, o feminismo se descobre plural. Na contramão do avanço de forças retrógradas e misóginas, as feministas irrompem no cenário público,  trazendo novas possibilidades de agir e de pensar, denunciando a sociedade capitalista e patriarcal com sua crítica incisiva e constante.

Portanto, já faz pelo menos cinquenta anos que temos visto o movimento feminista crescer e expandir-se enormemente, saindo dos pequenos grupos militantes para invadir todos os espaços públicos e privados e transformar o modo de pensar andro-antropocêntrico, afetando o imaginário social, com suas contracondutas manifestas em contundentes críticas, reflexões e produções intelectuais e artísticas. Os feminismos negros, indígenas, brancos, materialistas, radicais, comunitários e transnacionais, entre outros, emergem, trazendo novas questões e muitas contribuições. É nesse contexto que as mulheres, e especialmente as feministas, as anarquistas, as socialistas, as comunistas, além das escritoras, artistas, cientistas, antes silenciadas, ganham história. Assim, reencontramos Louise Michel.

De maneira agilizada, sofisticada e minuciosa, a pesquisadora anarcofeminista Samantha Lodi percorre a intensa vida desta mulher combativa e insubmissa, destacando desde sua formação em um contexto de lutas sociais a suas inúmeras realizações voltadas para a transformação ética e política da vida em sociedade. Tudo tem história e Louise Michel tem a sua, como aprendemos nesse importante estudo. Entende-se, então, seu dedicado envolvimento com os dias revolucionários da Comuna de Paris, em 1871, combatendo incansavelmente ao lado dos communards, socorrendo os enfermos, trabalhando junto a inúmeras mulheres, que Louise não deixa de enumerar e elogiar, além de muitas outras frentes de batalha. Como se sabe, estamos falando de uma guerreira radical, que dedicou sua vida à revolução social, como é afirmado no próprio título desse livro.

A experiência de professora inquieta e de escritora insubmissa se revigora com o da militante revolucionária extremamente dedicada, e isso lhe vale um alto preço, especialmente ao tornar-se a “viúva da Comuna de Paris”, como afirma Lodi, logo nas primeiras páginas desse texto. Mas é bem mais do que isso, mostra essa historiadora. Ser mulher tem seu preço e ser mulher anarcofeminista ainda mais. Afinal, vale lembrar que os/as anarquistas não questionavam apenas o Estado, mas propunham outros modos de existência em todas as esferas da vida social, questionando as relações de poder, desde os micropoderes, na cidade, na fábrica, na escola, na família e nas relações amorosas e sexuais.

Críticos do casamento monogâmico e da figura da “rainha do lar”, assexuada e higiênica, que despontava nos discursos das elites, dos médicos e juristas, no século XIX, fortemente inspirados pela teoria da degenerescência e pelas interpretações cristãs, em oposição aos modelos vigentes na “sociedade de corte”, como bem analisa Norbert Elias, os anarquistas criticavam o modelo de feminilidade e de masculinidade que a burguesia buscava instaurar. Este modelo obviamente não comportava o ideal de amor livre nem o de mulheres emancipadas. Não é à toa que outra famosa anarcofeminista, a mineira Maria Lacerda de Moura, autora de Amai…e não vos multipliqueis (1932), recorria a Louise Michel, ao questionar a imposição da maternidade como fundamento da vida das mulheres, que deveriam ser confinadas ao lar. Segundo ela, a generosidade de muitas e a preocupação com a coletividade não se explicavam pelo suposto instinto materno. Em suas palavras:

“Por acaso a figura heroica de Louise Michel, a virgem revolucionária, poderia ter sido tão generosa e tão pura, tão desinteressada e tão nobre se tivesse sido mãe?

Toda a sua atitude, toda a sua vida é nimbada num halo fulgurante de maternidade espiritual. É essa a verdadeira maternidade.”[2]

Como aprendemos com a leitura desse belo livro, não foi fácil ser a pioneira revolucionária Louise Michel. Isso lhe custou a prisão, em várias ocasiões e o exílio para terras distantes. Mas talvez por isso mesmo, por sua ousadia e combatividade é que a admiramos, por isso mesmo é que se torna uma figura histórica de forte inspiração em nossa atualidade, em que pese o avanço das lutas sociais, políticas, sexuais, étnicas que temos vividos há décadas e que, no entanto, se veem profundamente ameaçadas em todo o mundo hoje, quando o fantasma dos fascismos, em suas múltiplas manifestações, nos assombra.

Momentos como o atual, marcado por um retrocesso político inacreditável e por um conservadorismo moral assustador impõem a discussão das formas e dos rumos possíveis da luta e ao mesmo tempo o conhecimento do nosso passado, das experiências revolucionárias, inovadoras, libertárias e feministas que constituem nosso repertório, sempre tão silenciado e ameaçado. Por tudo isso, precisamos deste livro, das informações históricas e das reflexões que contém, e que afirmam a necessidade da resistência, da insubordinação, das lutas, dos movimentos sociais, das coletivizações, da autogestão, da liberdade, da justiça social, do combate aos preconceitos, e sobretudo das transformações no imaginário social em vista da invenção de mundos outros, espaços heterotópicos, libertários e filóginos, isto é, aberto às mulheres e à cultura feminina.

Que possamos nos reconectar com passados potentes e inspiradores que apontem para uma vida não-fascista, pelo qual lutaram muitos guerreiros e guerreiras, como Louise Michel, tão delicadamente recuperada na presente edição, publicada pela Editora Entremares. Assim como essas duas mulheres, escritoras e ativistas anarcofeministas, Louise Michel e Samantha Lodi, também temos pressa de nos libertar do velho mundo!

São Paulo, 21 de março de 2022

Margareth Rago

Notas:

[1]FOUCAULT, M. “La torture, c´est la raison” (1977), Dits et Ecrits, t.III, n.215, p. 398.

[2] MOURA, Maria Lacerda. Amai e não vos multipliqueis. (1932). São Paulo: Chão Editora, 2022, p.252.