Mandar Obedecendo: as lições políticas do neozapatismo mexicano

 

 

 

 

 

 

INFORMAÇÕES:

Título: Mandar Obedecendo: as lições políticas do neozapatismo mexicano
Autor: Carlos Antonio Aguirre Rojas
Editora: Entremares
Idioma: Português
Encadernação: Brochura
Dimensão: 14 x 21 cm
Edição:
Ano de Lançamento: Novembro de 2019
Número de páginas: 224
Preço: R$ 30,00

ÍNDICE:

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PREFÁCIO:

Trinta e cinco anos depois do seu nascimento e vinte e cinco anos depois de sua saudável irrupção na vida pública do México e do mundo, o neozapatismo mexicano está mais forte, mais desenvolvido e mais combativo do que nunca. Porque para além da evidente “campanha do silêncio” frente a esse fundamental movimento indígena rebelde, orquestrada claramente pelas classes dominantes mexicanas e acatada servilmente pelos grandes meios de comunicação do México, é nítido o crescimento e fortalecimento do seu projeto de construção da autonomia em vastas zonas do estado de Chiapas. Além disso, também é visível seu papel central dentro do também crescente e cada vez mais forte movimento, mexicano e internacional, da “Sexta”, movimento convocado pelo neozapatismo mexicano a partir do ano de 2013.

Por isso, não é casual o papel de protagonista essencial que o neozapatismo tem dentro do amplo conjunto dos movimentos realmente antissistêmicos e anticapitalistas de todo o planeta Terra, papel que se construiu desde o 1º de janeiro de 1994 e que tem se mantido e crescido enormemente ao longo das últimas duas décadas e meia. O que explica, frente a cada iniciativa neozapatista, as reações entusiasmadas de pessoas de cinquenta, sessenta, setenta ou oitenta países, comparecendo às reuniões e encontros que o movimento neozapatista convoca ou seguindo-os de modo próximo por meio das mais diversas redes sociais. Ou também, o fato de que os membros do neozapatismo, como o Subcomandante Insurgente Moisés ou o Subcomandante Insurgente Galeano, figurem hoje entre os personagens mais conhecidos a nível mundial, em uma escala comparável às figuras de Gandhi, Nelson Mandela ou o próprio Che Guevara[1].

Papel central como referência essencial de praticamente todos os movimentos antissistêmicos do mundo[2], que se explica em parte pela função que, na conjuntura posterior a 1989 e à queda do Muro de Berlim, coube ao levantamento neozapatista do 1º de janeiro de 1994. Com essa aparição pública radical, o neozapatismo conseguiu mudar totalmente a “correlação de forças” da então vigente situação mexicana, relançando as lutas anticapitalistas e antissistêmicas de todo o México, e criando o espaço e as condições de crises e colapso do inteiro sistema político mexicano, que seis anos depois permitiram a queda do PRI dentro do governo, e que mais recentemente, tem permitido a chegada do limitado governo timidamente reformista de Andrés Manuel López Obrador. Porque é graças ao profundo descontentamento social que irrompeu, se difundiu e se organizou em todo o México a partir de 1994 que pode terminar o longo reinado do PRI dentro do governo do México em 2000, mas também abriu espaço para que prosperassem equívocas e pseudoalternativas da pretendida “oposição” política da qual o PRD fez parte e hoje é representada pelo MORENA. A pseudoalternativa do MORENA, que em menos de um mês no governo já começou a decepcionar seus próprios seguidores e eleitores ao mostrar como apenas defende e representa os interesses da burguesia nacional mexicana, mas que não há nenhuma defesa dos interesses do povo ou dos setores subalternos e oprimidos do México. Porque agora é claro que as iniciativas do Trem Maia, do Canal Transístmico, do “resgate do PEMEX” ou do novo milhão de hectares a semear, somente vão beneficiar os capitalistas mexicanos e o Estado e não os setores populares.

Além disso, o neozapatismo abriu também, desde 1994, o espaço para que o movimento indígena de toda América Latina passasse de uma posição defensiva e marginal, que tinha mantido durante várias décadas, a uma posição ofensiva e radical, que converteu esses movimentos indígenas latino-americanos em um dos protagonistas centrais da vida social e política de países como Bolívia e Equador e naturalmente México, mas também em atores sociais muito importantes no Chile, Colômbia, Peru ou Guatemala[3].

E também essa centralidade ainda vigente do neozapatismo a nível mundial se deve ao fato de que, depois da queda do Muro de Berlim e da concomitante crise das esquerdas em todo o mundo, ele “devolveu ao mundo a esperança”, mostrando uma vez mais que a luta social e sobretudo a mudança social radical eram não apenas urgentes e necessários, mas também possíveis e realizáveis de maneira imediata. Por isso, não é casual o fato de que as montanhas do sudeste mexicano tem sido visitadas nesses vinte e cinco anos por ativistas sociais, artistas, músicos, políticos, cineastas, pensadores, cientistas sociais e naturais, de todo o planeta além de mulheres, homens, jovens, indígenas, trabalhadores e pessoas de todo o tipo, que chegam de todas as partes do mundo, desejosas de mudar radicalmente o injusto mundo capitalista que ainda padecemos a nível planetário.

E é por isso também que o movimento da Sexta, nacional no México e internacional, não tem feito outra coisa que crescer e fortalecer-se desde seu nascimento em 2013 e até hoje. Foi o principal suporte da exemplar campanha política de María de Jesús Patricio Martínez à presidência do México em 2018, campanha que nunca buscou nem ganhar as eleições nem fazer o jogo da corrupta e degradada classe política mexicana, mas sim foi somente um inteligente mecanismo para alertar a todos os mexicanos sobre o butim e o risco de extermínio real que hoje sofrem os povos indígenas no México. Através da campanha, procurou despir e evidenciar a classe política mexicana, propondo como a única saída real aos grandes problemas que hoje vive nosso país a auto-organização popular e na luta imediata pela construção, aqui e agora, das nossas respectivas autonomias.

O que explica a inteligente estratégia que, desde 2013, tem impulsionado o neozapatismo mexicano, tanto para o México como também a nível internacional. Nova estratégia cuja essência é a de interrogar os distintos grupos, setores e classes sociais, do México e do mundo, sobre como cada um deles constrói, em “seus calendários e em suas geografias” particulares, e segundo “seus modos específicos”, sua própria autonomia global integral. Uma autonomia global integral que não é somente o limitado fato de governar-se de acordo com suas próprias leis (autonomia apenas jurídica), nem a limitada situação de ser autônomos e independentes do Estado e do poder político (autonomia apenas política), tampouco a de somente afirmar sua autonomia em torno da sua identidade cultural e seus usos e combates (autonomia exclusivamente cultural ou identitária), senão de modo muito mais radical, a ideia de definir por eles mesmos, de modo autônomo e sem nenhuma interferência externa, o tipo específico de sociedade que eles querem construir, em absolutamente todas as dimensões possíveis que essa mesma vida social global implica[4].

Nova estratégia do neozapatismo mexicano, impulsionada desde finais de 2012 e coincidente com sua quarta etapa de vida, que se expressou primeiro nas várias realizações da “Escuelita Zapatista”, em 2013 e 2014, e onde os companheiros neozapatistas mostraram a todo mundo, desde seu interior e nas formas mais cotidianas e concretas, como é que eles constroem dia a dia sua própria liberdade e autonomia, na economia, na relação com a natureza, no comércio e no trabalho, mas também na educação, na arte, nas relações de gênero, na cultura, no autogoverno, na política e na vida social em geral. Demonstração de sua própria experiência na conquista e logo a construção da verdadeira autonomia global integral, que terminava com uma “prova” cuja única pergunta era “E você, o quê?”, ou seja, como é que você luta pela conquista e construção da sua própria autonomia e como você avança no processo de sua própria auto-organização e autogestão?

Experiência da “Escuelita Zapatista” que foi seguida pela “morte simbólica” do Subcomandante Insurgente Marcos e pela substituição de sua função como porta-voz do movimento pelo Subcomandante Insurgente Moisés, fatos que mostraram a todos o processo de maduração e consolidação do próprio neozapatismo, o que não somente afirmava mediante esta senão que também para evidente a essência desta nova estratégia neozapatista, baseada na convicção de que nessas novas lutas antissistêmicas que hoje se desenvolvem em todo planeta, não há lugar já para o vanguardismo e que aqui líderes são as próprias, pois o “nós” predomina sobre o “eu” e o poder se constrói desde abaixo, afirmando a diferença e a heterogeneidade, aprendendo a olhar e a analisar a realidade sempre desde abaixo e a esquerda, e construindo organizações frouxas, horizontais, descentralizadas e articuladas como redes de redes.

Nova estratégia neozapatista que mais adiante, foi convocando a diferentes setores, grupos e atores sociais, para intercambiar com eles suas próprias experiências, para aprender de seus possíveis ensinamentos e para promover, em cada um desses atores, seus próprios processos de crítica, de resistência, de auto-organização, de luta e de colaboração no vasto processo global de construção de autonomia e de liberdade, de uma parte no México, de outra parte em todo o planeta. Por isso, o neozapatismo convocou os pensadores críticos em 2015, no Seminário “El Pensamiento Crítico frente a la hidra capitalista”, os artistas e cientistas em várias ocasiões desde 2016 até hoje, nos “Festivales del CompArte” e nos “Encuentros del ConCiencias”, as mulheres em 2018, no “Encuentro de las Mujeres que Luchan”, e os indígenas do “Congreso Nacional Indígena” em múltiplas ocasiões e novamente desde 2013 até agora, as redes de apoio a Marichuy em 2018, os cineastas em 2018, no “Festival de Cine Caracol de Nuestra Vida” e talvez no amanhã convocará também eventos específicos para estudantes, trabalhadores da cidade e do campo, os desempregados, os marginais, aqueles que sofrem discriminação sexual, social ou política, e a todos os “esquecidos” e “descartáveis” de todo México e do mundo[5].

E isso, para continuar tecendo a vasta rede dos sujeitos subalternos que compõem a Sexta, incentivando sua própria auto-organização e a definição de suas demandas específicas, mas também a identificação de suas demandas comuns e compartilhadas com os outros sujeitos da Sexta, que permitem coordenar a futura definição do Programa Nacional de Luta, edificado desde abaixo e à esquerda por esses mesmos sujeitos subalternos e mais adiante fazer saltar, desde abaixo para cima, tanto ao Estado mexicano como a nossa classe política, mas também a todos os ricos, poderosos e os beneficiários das injustas hierarquias sociais que compõem que o “cima” do México e também do mundo inteiro.

Por isso, o neozapatismo não se entusiasma em nada com a chegada de López Obrador ao governo, pois entende que ele vai desenvolver no México, ao invés do neoliberalismo selvagem que temos padecido por sete lustros, um neoliberalismo moderado e marcado tenuamente por certos incrementos com gastos sociais, uma vez que se opõe à burguesia mexicana entreguista e aliada do capital estrangeiro, mas vê com bons olhos a burguesia nacional mexicana. Isto é, a mera mudança de um capataz autoritário e servil com o capital transnacional por um novo capataz mais conciliador e defensor do capital estritamente nacional. Por isso, como dizem os sábios companheiros neozapatista, “ainda falta o que falta”, de modo que eles aqui seguirão, resistindo e lutando o tempo que seja necessário, sem render-se, sem vender-se, e sem desistir. Sigamos seu exemplo, e celebrando seus trinta e cinco anos e seus vinte e cinco anos, digamos também sobre sua existência e sua postura: felicitações!

[1] Sobre esta relevância internacional desses membros do neozapatismo mexicano, veja, por exemplo, o artigo de Immanuel Wallerstein, “Marcos, Mandela, Gandhi”, no livro Historia y dilemas de los movimientos antisistémicos, Ed. Contrahistorias, México, 2008.

[2] Sobre o papel de protagonista do neozapatismo no conjunto dos movimentos antissistêmicos de todo o globo terráqueo, cfr. Carlos Antonio Aguirre Rojas, Antimanual del Buen Rebelde, Ed. El Viejo Topo, Barcelona, 2015, especialmente o capítulo 6.

[3] Sobre esse papel fundamental dos movimentos indígenas na América Latina, cfr. Carlos Antonio Aguirre Rojas, Movimientos antisistémicos y cuestión indígena en América Latina, Ed. Quimantú, Santiago de Chile, 2018.

[4] Sobre esse radical e especial conceito da autonomia neozapatista, cfr. Teniente Coronel Insurgente Moises, “Palabras del Teniente Coronel Insurgente Moisés”, en Contrahistorias, núm. 8, México, 2007.

[5] Sobre todas estas iniciativas recentes do neozapatismo, cfr. Carlos Antonio Aguirre Rojas, La tierna furia. Nuevos ensayos sobre el neozapatismo mexicano, Ed. Desde Abajo, Bogotá, 2017.