Pedro Ferreira da Silva

Pedro Ferreira da Silva, por Edgar Rodrigues¹

Português, contabilista, escritor, poeta, anarquista!

Rapaz ainda pude ler “Cartas da Minha Aldeia”, publicadas no semanário A Comuna, do Porto, Portugal, dirigido pelos anarquistas lusitanos António Alves Pereira, Clemente Vieira dos Santos, Abílio Ribeiro e A. Ferreira da Silva, subscritas por Pedro Ferreira da Silva.

Trabalhos serenos, firmeza e convicção seguras no distante ano de 1926, Ferreira da Silva (como era mais conhecido) já revelava um poder de raciocínio que veio a passá-lo para suas obras e para nós que as lemos.

Por incompatibilidade ideológica com a ditadura portuguesa que se implantou em maio de 1926 em Portugal, o jovem libertário deixou a província lusitana, viajando para a França e daquele país europeu para o Brasil.

Queria ter liberdade de escrever e pensar em voz alta. Não obstante esse desejo, teve de enfrentar os anos difíceis da guerra mundial, a ditadura Vargas, e só com o fim do seu “reinado” pôde dar vazão aos sentimentos humanistas e emancipadores que abrigava.

No Rio de Janeiro – onde viveu e faleceu -, Ferreira da Silva ajudou a fundar e colaborou no jornal anarquista Ação Direta enquanto existiu.

Inteligente, cultíssimo, convicções e raciocínio próprios, ao mesmo tempo que contribuía com sua ajuda financeira e artigos para o jornal, escrevia obras que deixaram marcas substanciais no terreno das ideias ácratas.

São de sua autoria: “Colônia de Férias”, “Eu Creio na Humanidade”, “Três Enganos Sociais”, “Prendas de Portugal” (poesia), “Cooperativa sem Lucros“, “As Voltas que o Linho Dá” (poesia), “Ícaros Novos” (poesia), “Assistência Social dos Portugueses no Brasil” e outros trabalhos, todos do maior alcance social, de puro estilo libertário.

Da vasta e lúcida colaboração de Ferreira da Silva deixada nas páginas de Ação Direta destaco “A Família, Célula Comunista”²:

“A família é uma comuna dentro da sociedade que condena o comunismo. Mas torna-se necessário, para evitar interpretações que alguns termos sugerem, esclarecer o seu sentido. Antes de mais nada, não temos culpa da deturpação do comunismo, que tendências políticas e autoritárias perpetraram apossando-se dessa bela e expressiva palavra para batizar com ela um sistema de ditadura proletária, de tirania dos pequenos, não menos indigna e condenável do que a tirania dos grandes.

Anarquia é comunismo libertário. Comunismo libertário é igualdade econômica e liberdade individual. Se os anarquistas tinham como seu o comunismo, porque a organização da sociedade anárquica há de fazer-se na base de comunas, e daí a designação do sistema econômico comunista, que há de impedir-nos de continuar a estudar, debater e tratar os nossos assuntos dando às coisas o nome que elas têm?

Campos Lima, escritor português que tantas obras produziu nas letras e na  sociologia modernas, chegou a aconselhar a proscrição da palavra anarquia, ele que se impunha como apóstolo da Anarquia. O sou argumento era que a burguesia tinha emprestado tal sentido de pavor e repelência às expressões anarquia, anarquista, anarquismo, apresentando-o, por má fé, como sinônimo de desordem, que melhor seria trocar-lhe o nome, dizermo-nos simplesmente libertários. Agora, o abuso dos comunistas políticos quer impedir-nos também de chamar comunista à sociedade anárquica, visto que isso se torna arriscado, em virtude da confusão criada e da justa aversão dos homens livres a um regime de escravização ao Estado proletário.

Mas há, por força, um erro enorme em tudo isso. Quanto mais nos abstivermos de usar os nomes que são nossos, mais os perderemos. Se, ao contrário, os anarquistas insistirem bem alto na afirmação do comunismo verdadeiro, do comunismo libertário, o conhecimento geral do seu sentido não deixará que outro
caráter lhe seja dado pelos apologistas de um sistema tão avesso à liberdade do indivíduo.

Pois a família é uma célula comunista, digamos isto sem medo. A família, velha instituição do direito burguês, vindo de longe, do patriarcado romano ou das leis bíblicas, das tribos primitivas ou de origens indefinidas, não serve apenas para nela se aninharem os preconceitos e tradições, a religiosidade dos povos e a sucessão das fortunas ou a posse das terras. Família é um núcleo que o anarquismo dispensa, quando institui a sociedade universal e a inteira liberdade do homem. Mas porque não estudar a constituição desse núcleo, os seus hábitos e sistemas, com o fim de lhe descobrir virtudes anárquicas não percebidas pelos conservadores seus advogados e beneficiários? Uma família austera, com princípios morais inabaláveis, seja rica ou pobre, é ainda um vestígio de pequenas sociedades quase isoladas no sistema econômico dos primeiros tempos do capitalismo, pequenas sociedades que tinham por assim dizer o seu estatuto próprio e uma administração interna tendente a resguardar o interesse patrimonial, que era o interesse comum. Os filhos trabalhavam todos para esse patrimônio, enquanto solteiros, cada qual exercendo sua atividade no lar ou fora dele, mas concorrendo para a economia da casa. E se um deles fosse doente ou inválido, era naturalmente mantido pelo esforço dos demais. Eis aí um exemplo velho da prática do princípio revolucionário: de cada um segundo as suas forças, a cada um  segundo as suas necessidades.

Dir-se-á que, se havia, se há ainda comunismo na instituição da família, não é comunismo libertário, porque se faz sentir a autoridade do pátrio poder. Essa autoridade do pai vai perdendo, porém, a sua rigidez, e nunca negou a emancipação do filho, que, pelo casamento, se desprende do tronco familiar, ganhando a sua liberdade e indo fundar por sua vez outra família, a qual constitui o desdobramento da sociedade em renovadas fundações de núcleos reprodutores. O anarquismo não deseja consagrar fórmulas jurídicas do direito familiar. Mas não pode impedir nem desmentir a função comunista da família no seu papel econômico. A sociedade anarquista não será uma família ampliada, grande, imensa, com autodisciplina e respeito mútuo?” (Rio de Janeiro, agosto de 1947).

Os trabalhos jornalísticos de Pedro Ferreira da Silva eram bem aceitos e suas obras comentadas em jornais como A Plebe, São Paulo, Voluntad, Uruguai, e peça imprensa democrática.

Vale a pena recordar o poeta Ferreira da Silva com sua “Trilogia”:

O primeiro mandamento
Da nossa Comunidade
Será, sem ódio nem medo,
Respeitar a Liberdade.
E quando não existir
A força contra a vontade,
Há-de se crer que chegamos.
Ao caminho da Igualdade.

Livres então, ficaremos
Iguais, sem rivalidades,
Para podermos sentir
O bem da Fraternidade.³

Nota:

1 RODRIGUES, Edgar. Os Companheiros 5. Florianópolis: Insular, 1998. p. 52-56.

2 Não se trata evidentemente do Comunismo-Governo da Rússia, da China, de Cuba e seus aliados, mas do Comunismo anárquico que defendia e pregava.

3 Ícaros Novos, pág.57, Rio de Janeiro, 1964.

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