Cooperativa sem lucros

 

 

 

 

 

 

INFORMAÇÕES:

Título: Cooperativa sem lucros: uma experiência anarquista dentro da sociedade capitalista
Autor: Pedro Ferreira da Silva
Editora: Entremares
Idioma: Português
Encadernação: Brochura
Dimensão: 14 x 21 cm
Edição:
Ano de Lançamento: Julho de 2017
Número de páginas: 144
Preço: R$ 30,00

ÍNDICE:

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APRESENTAÇÃO:

      Existem poucas informações a respeito da vida de Pedro Ferreira da Silva. Nascido em Portugal, exilou-se na França após a implementação da ditadura em Portugal antes de se estabelecer definitivamente no Brasil. No prefácio à primeira edição de Cooperativa sem lucros, o editor Roberto das Neves nos apresenta esse autor como um “velho militante sindicalista”, jornalista e escritor que já havia produzido obras nas áreas de literatura e de crítica social e econômica, sendo a mais importante até então, do ponto de vista anarquista, a obra Três enganos sociais: férias, previdência e lucros, de 1953.

      Antes disso, o autor já havia lançado outras obras, tendo estreado em 1932 com um folheto intitulado Colônia de Férias, e produzido obras de literatura e poesia, tais como Eu creio na Humanidade!, de 1945. Além destas Pedro Ferreira da Silva publicou também Prendas de Portugal, em 1956, pela editora Pongetti, As Voltas que o Linho dá, em 1961, pela editora Campestre, Ícaros Novos, em 1964, pela editora Germinal e Aquilo que a gente sente, em 1973, pela editora Pongetti.

      O livro Cooperativa sem lucros, que o leitor tem agora em mãos, ganha sua primeira reedição após mais de 50 anos fora de circulação. Editado pela primeira vez em 1958 pela editora Germinal, o livro de Pedro Ferreira da Silva engrossava a lista de publicações da editora anarquista fundada em 1946 por Roberto das Neves no Rio de Janeiro. A editora Germinal foi um dos principais órgãos divulgadores das ideias anarquistas e das atrocidades promovidas pelo regime de Salazar em Portugal. Entre as obras publicadas pela editora contra o regime autoritário português destacam-se os Sermões da Montanha, de Tomás da Fonseca, em 1948, Portugal Oprimido, de Fernando Queiroga, em 1958 e A Fome em Portugal, de Edgar Rodrigues e Roberto das Neves, em 1959.

      As ações políticas e a cooperação entre Pedro Ferreira da Silva e Roberto das Neves iam além dos trabalhos em torno da editora Germinal. Ambos tomaram parte no jornal anarquista Ação Direta, publicado no Rio de Janeiro entre as décadas de 1940 e 1950. Foi neste mesmo jornal que apareceu em setembro de 1958 uma longa nota, provavelmente escrita por Ideal Perez, apresentando o livro Cooperativa sem lucros. A nota, publicada na coluna Estante Libertária, ressaltava que:

Como os leitores poderão verificar, trata-se de um trabalho sério, honesto e profundo nos objetivos, complemento lógico dos esforços anteriormente realizados pelo autor no sentido de denunciar os mitos, sangrentos e ladravazes, da política e do Capitalismo.
Alguns leitores, não libertos da superstição da Autoridade, encarnada no Estado, no qual veem o paizinho bondoso, providencial, todo-poderoso e tutelar, sem o qual nada existiria no mundo, sentir-se-ão talvez chocados com o subtítulo da obra: “Uma experiência anarquista dentro da sociedade estato-capitalista”.

      A obra reivindica o sistema cooperativo como uma alternativa tanto ao capitalismo liberal como ao capitalismo de Estado soviético, que eram, na ocasião em que o livro foi escrito, representados pelas duas potências em luta na Guerra Fria que se aprofundava como característica do contexto mundial.

      O sistema cooperativo, em seu entendimento, é uma forma de organização que simultaneamente subtrai a vida econômica das amarras da lógica do lucro e do comércio e da autoridade e submissão ao Estado. É importante ter clareza sobre esse ponto, que o autor sublinha diversas vezes ao longo dessa obra: somente a introdução paulatina de um sistema cooperativo, que integre tanto cooperativas de produção quanto cooperativas de consumo, é capaz de fomentar o intercooperativismo anticapitalista e antiestatista.

      Este projeto econômico apontado por Ferreira da Silva, longe de constituir uma visão nova dentro do movimento anarquista, reverberava aquelas ideias que já haviam sido apresentadas por alguns dos principais pensadores anarquistas. Em maio de 1919 em um encontro entre Kropotkin e Lenin o pensador anarquista apontou ao líder bolchevique como o governo soviético, longe de estar estimulando as cooperativas autogeridas – como era esperado em um suposto governo revolucionário baseado na estrutura dos sovietes – estava minando as forças sociais ao implementar uma burocracia estatal que impedia a gestão social das cooperativas. Kropotkin pontuou:

[…] em Dimitrov, sei que estão sendo perseguidas cooperativas que nada têm a ver com essas que você acaba de mencionar; e é porque as autoridades locais, talvez até mesmo revolucionários de ontem, se burocratizaram, converteram-se em funcionários que querem tiranizar seus subordinados e que acreditam, além disso, que todo o país é seu subordinado.¹

      O cooperativismo livre e em prol da sociedade defendido por Kropotkin se baseava nas premissas de organização do trabalho desenvolvidas desde a Primeira Internacional por alguns mais eminentes pensadores e revolucionários da época. Se a proposta de alguns dos membros da Internacional ou mesmo de Kropotkin podem parecer um pouco anacrônicas em pleno século XXI – tendo em vista que foram teorizadas em pleno século XIX em um contexto em que o mundo do trabalho possuía significativas diferenças em relação ao mundo de hoje – são, contudo, as revolucionárias e revolucionários curdos que nos mostram a validade deste projeto ao constituírem cooperativas mistas em plena guerra civil Síria², em que as relações de trabalho estão diretamente vinculadas as decisões políticas tomadas nas assembleias locais, em que deliberam, em conjunto com os trabalhadores das cooperativas, os rumos da produção.

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       Por que reeditar este livro no contexto atual?

      No presente contexto brasileiro, ainda que a Guerra Fria tenha se extirpado de maneira prática, suas duas linhas de oposição reaparecem discursivamente como únicas alternativas possíveis, reeditadas e reenvernizadas. Trata-se da dicotomia que pretende empurrar uma opção entre ou um capitalismo neoliberal selvagem e assassino ou um estatismo totalitário e controlador da vida social.

      O que o livro de Pedro Ferreira da Silva põe a nu, e por isso permanece tão atual, é que se trata de uma falsa dicotomia. O capitalismo é sempre regulado por uma instância estatal repressora, ao passo que o predomínio de um estado “de bem estar social” não prescinde do rolo compressor capitalista como mola dinâmica de sua manutenção. Em ambos os casos, trata-se de absorver quaisquer iniciativas que sejam antissistema, condenando-as a reproduzir a lógica incansável do horror econômico e da violência estatal. Tal absorção é feita de maneira “doce”, uma espécie de dominação suavizada, que propõe que ou a cooperativa se entregue à sanha do lucro – com o canto de sereia de que todos os cooperativados serão finalmente “patrões” e felizes capitalistas – ou que seja regulamentada, administrada e tutelada pelo Estado, o que garante que não ultrapasse certos limites sistêmicos. Em última instância, essa dupla insistência por sufocar o cooperativismo em sua origem, tornando sua potência real natimorta, está presente, por exemplo, nas ideias tão em voga de Economia Solidária. Tal absorção da lógica cooperativa, realizada simultaneamente pelo Estado e pelo capitalismo, já era conhecida por boa parte dos militantes anarquistas, que não deixaram de fazer suas críticas àqueles projetos que não tencionavam desde o princípio com estas duas instituições. Tal foi a crítica realizada por Élisée Reclus que anexamos ao livro como posfácio.

      Pedro Ferreira da Silva ao destacar a adoção dessa sua forma mais elementar, a um só tempo avessa aos objetivos de realização do lucro no mercado e de cooptação por agências burocráticas do Estado, portanto ligada umbilicalmente à luta dos trabalhadores, indica que o sistema cooperativo anarquista ultrapassa a versão simplista de uma forma econômica reformista e ganha ares de fenômeno social total. Em suas palavras:

O efeito da cooperativa é econômico, se permite obter-se gêneros ou artigos por preços mais baixos; é educativo, porque ensina melhores normas de respeito ao interesse coletivo, destruindo raivas e ódios sempre em ebulição na disputa do dinheiro, na guerra dos preços, na concorrência de interesses egoístas; é moral, quando infunde no indivíduo o respeito pelo semelhante, impedindo ao mesmo tempo aquela sofreguidão do roubo que lateja em todo o comerciante, em todo o homem que mercadeja com gêneros ou dinheiro, …; é social, dando motivo a cultivarem-se relações, trocarem-se ideias ou projetos de aperfeiçoamento comum, no exercício de atividades coletivas, como são as da indústria cooperativa; é profissional, enfim, no terreno das cooperativas de produção, seja nas pequenas ou nas grandes indústrias, pois o operário, sabendo-se livre do arbítrio patronal, considerará a sua tarefa sob um ângulo diferente e todo o seu interesse estará mais na perfeição técnica do que no volume de trabalho determinante do seu salário” (p.113).

      Por fim, a experimentação do trabalho livre, autogerido e consciente, conforme apresenta Ferreira da Silva é capaz de apontar um novo caminho para o mundo do trabalho, em que as relações econômicas dão o início a um processo de construção de uma nova sociabilidade que, ao mesmo tempo, se abolem as atuais relações de trabalho e se edificam novas, possibilitando assim a construção de uma outra economia. Dessa vez, não mais mediada pelo dinheiro e pelo valor, mas sim livre, ligada diretamente às necessidades sociais existentes e que possam vir a surgir.

      Mais do que um manual ou um livro de receitas, o que o livro Cooperativa sem lucros nos proporciona é um vislumbre da criação de um novo mundo, em que o trabalho liberto da opressão do dinheiro e do lucro pode enfim se constituir como uma prática social generosa a serviço da sociedade, sem patrões nem proprietários.

Notas:
1 TRAGTENBERG, M. Kropotkin. Textos escolhidos. Porto Alegre:L&PM Editores, 1987.
2 Mais informações sobre as cooperativas de Rojava estão disponíveis em: VV.AA. Şoreşa Rojavayê: Revolução, uma palavra feminina. São Paulo: Biblioteca Terra Livre / Comitê de Solidariedade à Resistência Popular Curda de São Paulo, 2016.